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  HISTORIA DE NOVA XAVANTINA PARTE 3  
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O casamento

Ministros Eurico Gaspar Dutra (de terno branco) e João Alberto (de chapéu), acompanhados do Governador de Goiás, Dr. Pedro Ludovico Teixeira, e do Coronel Vanique, em visita, em 1945, ao marco comemorativo da chegada da Expedição em Xavantina.

Já com tudo preparado para a viagem de volta, João de Deus lembra-se bem do nervoso que passou, esperando sua querida Maria Rosa em frente do altar.

E não foi dessa vez que a tradição tinha sido rompida. A noiva atrasou pelo menos meia hora. Foi meia hora que mais pareceu meio século. Naquele momento ele repassava todos os detalhes da ida do casal para o posto de Xavantina. Para a nova casa que já estava pronta aguardando a mão de uma mulher para torná-la um verdadeiro lar.

Despertou de seus pensamentos vendo a imagem de sua amada entrando pelas portas da Igreja, trazida pelos braços do pai. Como estava bela. Maria Rosa sempre fora uma moça simples. Vestia-se como todas as moças da cidade. Mas naquele momento era a mais bela de todas.

Depois de serem declarados marido e mulher, foram para o salão receber os cumprimentos e os presentes. Eram tantos que a fila parecia interminável. E João de Deus recebeu alegre o carinho de todos. Depois dos cumprimentos, a sanfona do Ataliba tocou um bom forró para todos. Quando a noite já ia alta, o jovem casal tomou a condução que os levaria na primeira etapa da viagem rumo ao novo. A despedida foi animada, e enquanto a festa continuava, os dois já estavam na estrada.

No dia seguinte estavam na capital de São Paulo, e João de Deus fez questão de dar um passeio com sua esposa para que esta conhecesse a cidade. Ela pouco conhecia, pois nunca havia saído de sua terra natal. Em dois dias estavam em Goiânia, a nova capital próspera do estado de Goiás. Lá João de Deus e Maria Rosa fizeram as primeiras compras dos mantimentos que levariam para a nova casa.

Encontraram-se com o pessoal da expedição lá mesmo em Goiânia. O casal embarcou no avião que já os esperava e vieram até Aragarças. Daí para Xavantina vieram em avião menor, que dava apoio às atividades da frente da expedição. Em uma semana chegavam à Vila de Xavantina.

Depois das apresentações ficaram sabendo que a expedição iria continuar seu avanço em direção ao Xingu. Mas João de Deus foi um dos destacados a ficar em Xavantina. E Maria Rosa estava apreensiva em conhecer sua casa.

Ele lembra até hoje da expressão de felicidade nos olhos de sua querida Maria Rosa. A casa havia sido acabada por alguns de seus colegas que ficaram. Estava pronta para receber o jovem casal.

Foi por esse tempo que o presidente Getúlio Vargas visitou Aragarças e a Vila de Xavantina. João de Deus sentiu muito não ter podido vê-lo. Mas as condições não o permitiram. Além disso, tinha muitos detalhes a serem concluídos em sua nova casa. Só participou através de noticias trazidas pelos companheiros que tiveram oportunidade de estar com o presidente. Mas conheceu o Ministro João Alberto que esteve várias vezes em Xavantina.

Os preparativos da segunda etapa já estavam avançados e por isso a casal não teve muito tempo para curtir juntos a nova condição de casados. E como havia muito trabalho, nem João de Deus nem Maria Rosa ficavam parados.

João de Deus passou a trabalhar no almoxarifado central, auxiliando o Dr. Acary de Passos Oliveira, cuidando de manter em dia os equipamentos e ferramentas que seriam usadas pelas frentes de penetração. E Maria Rosa passou a organizar a casa dando seu toque feminino.

Aos poucos os móveis foram sendo comprados e a casa ficou com a aparência de uma verdadeira residência.

Chegou o mês de julho de 1945 e a primeira turma de homens atravessa o Rio das Mortes em direção do Rio Xingu, penetrando a região onde moravam os temíveis índios Xavante.

E como ainda não haviam feito qualquer contato com esses índios, os trabalhos da segunda fase de penetração tornaram-se muito tensos.

Mas, apesar do medo, os trabalhos prosseguiram com rapidez. São construídas mais três bases de abastecimento. Uma denominada posto Garapú, onde hoje é o município de Canarana, a outra Kuluene e a Jacaré. Chegaram a um rio desconhecido que passou a se denominar Sete de Setembro, data em que o alcançaram e através do qual, por meio de embarcações foi finalmente alcançado o Rio Xingu.

O tempo das chuvas já havia terminado, e todo o acampamento de Xavantina estava abastecido com todo tipo de gêneros alimentícios. A comunicação com o posto de Aragarças era feita através de um possante rádio e o transporte, quase todo era feito por aviões da FAB que davam todo tipo de apoio.

Não faltavam remédios e médicos.

Além do Dr. Darcílío Wahia de Abreu, participavam da expedição o Dr. Vicente Lins Barros e o Dr. Edegar Cabral e o farmacêutico Fábio Marques.

Quando os homens se deslocavam na frente de penetração, nunca o faziam sozinhos. Qualquer movimentação tinha que ser feita por pelo menos dois homens juntos. Essa era a melhor maneira de evitar a surpresa no contato com o silvícola.

Enquanto o trabalho de penetração da frente continuava, a Vila de Xavantina ia ganhando importância nacional, com a visita de diversos líderes políticos.

O tempo passava e os hábitos começaram a se formar entre aqueles que ficaram na Vila.

João de Deus, que já tinha sua casa, sua esposa, chamava seus companheiros que vinham freqüentemente para uma prosa amiga.

As noites eram quase sempre dedicadas a ouvir e contar histórias.

OS PRIMEIROS XAVANTE

Foi pelos idas de 1951 que os homens que trabalhavam no pomar instalado para abastecer o acampamento que, viram, pela primeira vez, os temíveis índios Xavante.

Eles ficavam na margem esquerda do rio, observando a movimentação dos expedicionários que trabalhavam no acampamento.

Depois de alguns meses de observações de ambos os lados, os chefes da expedição decidiram por tentar um primeiro contato com eles.

Alguns homens atravessaram o rio, levando na bagagem facões, foices e enxadas, além de espelhos e outros objetos de uso pessoal, para dar de presente aos bugres.

Lembra-se que estavam entre esses corajosos o Sr. Orlando Vilas Boas, o Dr. Manoel Roxo da Mota, o padre Antônio Cobalchini, o Pedro Pinto e o Mílitão Ibiapino.

Esse tempo dos primeiros contatos foi importante, pois a expedição já estava muito longe, com destino ao rio Xingu.

João de Deus procurou conhecer esses índios que apesar de serem tão temidos eram, na verdade, verdadeiras crianças, muito dóceis, quando em contatos amistosos.

SOBRE OS ÍNDIOS XAVANTE

Sobre a origem do nome Xavante, soube que foram os Portugueses que deram aos componentes de uma tribo que ocupava o norte de Goiás, no final do século XVI. Entretanto não conseguiu descobrir a origem de tal nome, tão diferente daquele com o qual a tribo se autodenomina: AUWE, que significa "pessoa, gente".

Soube que os Xavante são aparentados dos Xerente e pertencem à grande família lingüística jê.

Os Xavante viviam entre os rios Tocantins e Araguaia. Eram numerosos, fortes e bravios.

Os primeiros contatos com esses índios aconteceram por volta dos anos de 1784 a 1788 realizados por Tristão da Cunha, que à frente de sucessivas expedições militares patrocinadas pelo governo de Portugal, tentou pacifícá-los e fixá-los em aldeias protegidas.

Como vivem tipicamente da extração natural, foram considerados nômades pelos brancos, e sua fixação em aldeias só fez enfraquecê-los.

Por causa dos Karajás, seus inimigos mortais, que passaram a ocupar seu território primitivo, atravessaram os rios Araguaia e o das Mortes e ocuparam a serra do Roncador no Planalto Central Brasileiro.

A partir desse tempo, até os idos de 1946 recusaram qualquer contato com os brancos, defendendo-se corajosamente dentro de seu território.

A aldeia Xavante original, segundo pôde ser apurado através dos vários contatos que se sucederam, originalmente tinha o formato de uma ferradura, com a abertura voltada para um rio, próximo do qual a construíam.

No meio dela sempre existia uma praça onde se realizavam as reuniões dos homens. É nesse local onde eram tomadas as grandes decisões pelo "Conselho dos Anciãos".

A casa Xavante tem forma circular, embora tenham encontrado casas com quatro águas, e são habitadas por duas ou três famílias. Sua estrutura é feita de paus e bambus que sustentam o teto de folhas de indaiá, que descem até o chão.

Quem comanda a casa é a mulher. É ela quem providencia a construção, quem prepara a comida e distribui os resultados da caça e é a ela que pertencem os produtos da lavoura. Dentro de casa o homem tem apenas funções secundárias. Ele permanece quase sempre fora da casa, no pátio, participando das caçadas ou trabalhando na lavoura.

A alimentação dos Xavante era garantida por uma produção agrícola rudimentar, completada por produtos de caça e pesca.

Já conheciam o milho, a mandioca, duas espécies de feijão, vários tipos de abóbora. Completavam a alimentação com frutas, raízes, tubérculos e outras típicas de época.

Os Xavante se dividem em grupos etários distintos. Cada grupo é constituído pelos que nasceram num período de aproximadamente cinco anos. A idade é determinada por classes: criança, menino, rapaz, adulto, ancião e velho.

O mais interessante é que os grupos passam de uma faixa para outra, durante uma grande festa, onde o grupo todo é promovido. Essas festas, ou rituais são celebrados com cantos e muitas danças.

A época mais importante para o Xavante é quando o rapaz passa para a categoria de adulto. Os rapazes abandonam suas famílias e vão habitar casas isoladas, chamadas casas dos celibatários.

É nessa fase que são perfuradas as orelhas, mas antes tomam prolongados banhos, participam de caçadas, corridas, encenações dramáticas de lendas referentes à origem e ao significado da função. É nessa ocasião que as noivas são apresentadas oficialmente aos respectivos noivos e a todos os membros da tribo. E essa escolha é regulamentada por leis severas que evitam o casamento entre parentes próximos.

São os pais os responsáveis pela aplicação das leis que não permitem casamento entre parentes.

A cerimônia de casamento inicia-se com uma caçada feita pelo noivo e seus familiares, sendo seu produto oferecido ao pai da noiva que posteriormente distribui para todos da aldeia. Essa cerimônia chama-se "ADABA". É quando a noiva que já foi apresentada a todos da aldeia, ajoelha-se em frente de sua casa e aguarda uma de suas companheiras, que dela se aproxima, a fim de lhe tirar os colares do pescoço. Após isso ela se levanta, entra em casa e dá início à vida de casada.

A educação dos filhos dos Xavante não é de responsabilidade exclusiva dos pais. Ela dá ênfase na superação da dor, do cansaço e do medo. Muitas lendas refletem essa aspiração fundamental. Os Anciãos, responsáveis pela educação dos mais jovens sempre enfatizam: "ser fortes e corajosos, além de aumentar a tribo".

Quando os meninos crescem, antes de serem iniciados nos segredos da tribo, são submetidos a duras provas, como jejuns prolongados, imersões nas águas dos rios, corridas forçadas, etc.

Tanto o menino quanto a menina, em seus primeiros anos de vida, têm na figura materna a responsável mais direta sobre sua educação. Em relação às meninas, as avós também assumem o mesmo papel.

Com o tempo a situação se transforma. Os meninos passam a ter um "padrinho", de um grupo de rapazes que os antecedem de duas gerações e que participam ativamente na sua formação, As madrinhas, na educação das meninas não desempenham papel de grande relevância.

Mas o mais interessante na cultura desses grandes guerreiros, são as festas. É nelas que eles se enfeitam com pinturas de cores fortes e colares dos mais diversos tipos, feitos de embira e adereços de penas dos diferentes tipos de aves.

Existe uma competição que consiste numa corrida com um tronco de buriti. Eles se dividem em dois grupos que vão se revezando sucessivamente, carregando um pedaço do tronco do buriti que deve pesar aproximadamente uns 80 quilos, num percurso de mais ou menos seis quilômetros. É considerado vencedor o grupo que teve participantes que permaneceram por mais tempo à frente. Assim, nem sempre ganha a corrida a equipe que chega primeiro à reta final.

Nessas festas, os homens desempenham papel mais ativo que as mulheres. Mas na festa de "imposição do nome", que é bastante longa e complexa, a mulher é que é a protagonista. Nelas são encenadas várias lendas que tem como protagonistas as mulheres, onde são relembrados seus feitos, como por exemplo, a descoberta do feijão e do milho. É nessa festa que os homens imitam os mais diferentes animais e aves.

Embora num primeira momento se acreditasse que esses índios eram maus e violentos, depois se descobriu que ao contrário, são dóceis e religiosos.

Certamente a brutalidade deve ter ocorrido quando dos primeiros contatos com eles, pelos idos de 1600. Tanto é que foram expulsos de seu habitat original, entre o Araguaia e Tocantins.

Certamente o instinto de defesa os fizeram ferozes aos olhos dos homens brancos.

A vida no acampamento continuava sempre muito ativa. Havia muito trabalho a ser feito. João de Deus e Maria Rosa vivam um período de suas vidas muito intenso. Maria Rosa não estranhou nada a mudança radical de vida, e isso dava uma estabilidade muito grande ao casal. Enquanto alguns viam seus casamentos terminando pela completa falta de adaptação de algumas esposas e a intransigência dos maridos em quererem ficar, a casa de João de Deus passou a ser um refúgio de tranqüilidade, onde muitos vinham buscar coragem para tomar novos rumos para o futuro.

João de Deus e Maria Rosa aprenderam a escutar, aconselhar calma àqueles que chegavam cheios de dúvidas e desesperanças.

Tinham toda a convicção do mundo que esta região seria grande, com um futuro traçado no potencial de suas terras, de seus rios e da gente nova que a cada dia aqui chegava.

O PRIMEIRO FILHO HOMEM

Foi no começo do ano de 1951 que a cidade viveu um grande acontecimento.

Já haviam nascido as primeiras crianças da terra, e todas eram mulheres.

 


Primeiro filho homem da cidade (à direita).

Mas ainda não havia nascido nenhum menino. E o primeiro filho homem da cidade nasceu em janeiro daquele ano. Era filho do casal Virgílio do Nascimento e Dna. Lindinor.

Seu nome, João Bosco do Nascimento, que até hoje tem uma vida ativa na política do município.

O Virgílio estava com a expedição desde o começo. Era um dos encarregados da tropa que fazia o transporte de mantimentos para as frentes de trabalho.

O acontecimento foi comemorado por todos numa animada festa que avançou até o dia amanhecer.

A memória continua viva, e João de Deus, nesta verdadeira retrospectiva de sua vida e dos fatos que a cercaram, lembra de uma viagem da qual participou, descendo o Rio das Mortes até a cidade de São Félix do Araguaia.

Foi quando ficou conhecendo mais detalhes desse fascinante rio, o das Mortes.

VIAJANDO PELO MORTES

Apesar do nome sombrio, jamais a mente humana poderá fazer uma idéia real da majestade desse curso d'água cristalina e pura. As paisagens que se sucedem aos olhos são de fazer inveja ao mais sensível dos pintores. É indescritível a beleza dessa via fluvial que desperta a admiração naqueles que nele viajam.

Mesmo quando já se está fatigado, com o mau humor natural das grandes empreitadas, surge uma imagem nova que dissipa tudo. É comum nos fins de tarde sermos surpreendidos com um pôr de sol jamais visto em outras regiões do país, com um vermelho vivo, mesclado a um dourado deslumbrante que nos atrai e nos absorve totalmente.

Ou então, um conjunto de ilhas, com matas e campos verdejantes, que mais se parecem com verdadeiras esmeraldas.

A vista não se cansa de admirar a superposição de quadros estupendos. Não existe monotonia no ambiente. Há sempre algo novo.

A natureza traz uma infinidade de nuances das cores, a pujança da selva tentando dominar a água.

A flora e fauna riquíssimas são um constante renovar aos olhos daqueles que ousam enfrentar o desafio do desconhecido.

A quantidade de lagos virgens, a brutalidade das tempestades, a amenidade de campinas sem fim, a mansidão das águas, a força indomável das corredeiras, o clima inconstante, a fartura inigualável da caça e pesca, as riquezas do solo, as ilhas solitárias, os igarapés que escondem os animais traiçoeiros. Tudo é mágico.

Sinuosos como serpentes, os afluentes rumam o desconhecido. As lagoas surgem como verdadeiros campos de aço polido, refletindo os raios do sol ou a luz do luar. Verdadeiros túneis verdes se formam e convidam à penetração de um mundo desconhecido e imprevisível.

Em um momento se está navegando por águas tranqüilas e no instante seguinte é uma corredeira que testa a habilidade daquele que conduz a embarcação. Não pode haver vacilo.

É como se a natureza estivesse testando a habilidade e a coragem daqueles que se aventuram em desbravá-la.

Ao longo se descortinam campinas ondulantes à brisa, onde o buritizal surge soberano, indício seguro de água potável e mansão de gigantescas sucuris.

Ali o cerrado habitado por galheiros, cervos, campeiros e a temível onça. Mais distante verdadeiros tabuleiros do capim barba-de-bode escondendo varas de queixadas ferozes e caititus espavoridos.

Em meio a essa solidão, com os olhos de gigante a perscrutar o infinito do céu, à noite se oferece um verdadeiro espetáculo de estrelas. A Via Láctea ressalta como se fosse um tapete preparado para o dia receber o astro rei. Sua companheira, a Lua, reina soberana nas noites de céu estrelado. E é nessas noites que a onça esturra melancólica, à margem das praias. E num instante surge impressionante, com seu miado arrepiador, querendo dizer ao viajante que aquele é seu espaço, seu território.

A anta barulhenta, a capivara esguia, o lobo guará atrevido, o cervo arisco, o quati medroso, a paca solitária se encolhem trêmulos de pavor diante de sinfonia tão sinistra.

A ariranha, uma prima das lontras é um animal muito curioso. Pois como os castores, constrói sua casa à margem dos rios, na beira d'água, mas com várias saídas para dentro da mata. Vivem em bandos de mais de dez animais, e segundo dizem os entendidos da região, obedecem sempre a um macho maior e mais forte.

E o espetáculo continua na madrugada quando o bugio enche a selva com seus gritos, quando as araras de azul intenso, ou as belas canindés, saúdam estridentemente o nascer do Sol, voando aos pares.

Manadas de macacos, como verdadeiros acrobatas, vão de galho em galho, de árvore em árvore, curiosos, acompanhando os intrusos.

Para aqueles de espírito aventureiro, a Rio das Mortes é o máximo de emoções. Todos os prazeres e todos os tormentos são experimentados em grande escala. Ele exige espírito equilibrado, coração forte e músculos de aço.

Deve-se estar preparado contra tudo e contra todos. Do mais ameno surge a tragédia; do mais lindo, o horrível e da serenidade o perigo.

Chama-se Mortes devido a uma horrível carnificina praticada por Antonio Pires de Campos, quando esse bandeirante paulista, por volta de 1682, desbravava o Araguaia. Centenas e centenas de índios Carajás e Araés foram chacinados, pelos componentes dessa "bandeira" que capturava índios para vendê-los em Cuiabá. Além disso muitas outras tragédias tiveram como palco o Rio das Mortes.

O rio divide-se em três zonas distintas: zona das praias, zona de barrancos e zona rochosa. Cada uma delas tem seus habitantes naturais. Descendo até a foz do Pindaíba temos alguns barrancos mais altos e alguns travessões, mas a partir desse afluente da margem direita, a paisagem muda como por encanto.

Percebe-se uma enorme reserva de madeiras de lei como a peroba, o tamboril, o jatobá, o jequitibá, o cedro, o pau-marfim, o landí, a aroeira, a canela preta, a copaíba, o pau d'alho, o ipê, a arinduva e tantas outras entrelaçadas pelos cipós que as serpenteiam, parecendo enormes cobras que vem beber à flor da água.

A meio caminho de São Felix do Araguaia, a partir da margem esquerda, descortina-se no horizonte azul os majestosos contrafortes da Serra do Roncador que permanece misteriosa, aguardando que os homens desvendem seus mistérios.

Indo em direção ao Araguaia, mais ou menos a três léguas de distância, o das Mortes se divide em dois braços, formando a ilha do Bananal, maior ilha fluvial do mundo, com mais ou menos 640 quilômetros quadrados.

O braço direito, desce com uma violência vertiginosa num percurso cheio de acidentes, que somente os de sangue frio conseguem singrá-lo. É uma aventura difícil de ser descrita e que nem o mais corajoso dos homens deseja fazê-la de livre e espontânea vontade.

A chegada ao pequeno vilarejo é festiva. Sempre que um grupo de viajantes por ali passa, os seus moradores acorrem logo para os barrancos do rio, em busca de novidades.

O vilarejo que deu origem à cidade, foi fundado por Severiano Neves e outros, pelos idos de 1941, acreditando num futuro próspero para a região.

A cidade era pequena, porém aconchegante. João de Deus fez amigos. Ouviu muitas histórias dos moradores e contou outras tantas. Mas como a demora era pouca, depois de dois dias, já com os equipamentos que vieram buscar devidamente acondicionados no pequeno batelão, reiniciaram a longa jornada de subida do rio das Mortes.

Dessa viagem pelo rio das Mortes, João de Deus guarda muitas lições de vida.

Passadas três semanas no rio retornam a Xavantina. João de Deus retorna ao seu trabalho.

A VOLTA DOS BONS TEMPOS

Pelos idos de 1951, com Getúlio Vargas novamente à frente do governo, a região volta a receber todo apoio do governo federal.

É um período de grandes realizações na região. A expedição, sendo comandada pelos irmãos Vilas Boas, já havia chegado ao Teles Pires, na serra do Cachimbo. Já haviam entrado em contato com as mais diversas tribos de índios do alto Xingu, com os Kalapaios, Kayabis, Kamayurás, Iaualapitis, Meinacos, Waurás, Trumais e Auetis além dos Juruna.

Aquela pequena vila de Barra do Garças que João de Deus conheceu, hoje já se mostrava grande cidade, com muito movimento. Já se fazia a travessia do rio Araguaia por meio de uma balsa presa a um cabo de aço.

Nos anos que se seguiram foi inaugurada uma Usina Hidroelétrica com capacidade de 50 HP. Foi também construída a rede de abastecimento de água potável.

Em 1954, com a suicídio do Presidente Getúlio Vargas o clima ficou tenso no acampamento de Xavantina.

Como ficariam as coisas na falta daquele que havia idealizado e incentivado a difícil tarefa de desbravar essa região?

Aquele que, quando em um determinado momento a manutenção dos acampamentos se tornou difícil, quase insustentável por total falta de apoio das autoridades, determinou que o reabastecimento fosse feito diretamente pelo Ministro João Alberto.

Mas, apesar de tudo, a expedição já tinha produzido grandes realizações para dar em nada.

Muitos homens destacados nos mais diversos acampamentos, com suas casas e com suas famílias.

O processo de ocupação e colonização era irreversível.

Continua




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